por Tundavala em Segunda Nov 02, 2009 1:24 am
Já contei aí numa sala de Luanda que, em 1970, comprei o meu primeiro carro novo: era uma espécie de Mini japonês (o Colt, da Mitsubishi, passe a publicidade...).
O que é certo é que era uma pequena maravilha. Não era nada feio, andava bem, gastava pouco e, imaginem, foi o primeiro carro em que o rádio não era extra. Só com esta simples manobra comercial, o carrito foi um sucesso de vendas!
Mas o que queria mesmo era falar do casamento e não de carros... Mas como o carro fez parte das compras de casamento, achei que devia começar a falar dele... Sabem como é: Homens e carros são um par inseparável... Se, além do mais, estiver no banco ao lado uma pessoa muito especial, nós associamos esses dois amores e é assim que ficam retidos na memória...
Já sei que as minhas queridas amigas estão a abanar as cabecinhas e a pensar: "Ai os homens! São todos iguais!..."
Pois são. Mas o que é certo é que, por mais que se lamentem e voltas que dêem, ainda não descobriram uma alternativa credível...
Cuidado Armando! Vê lá que terreno pantanoso estás a pisar! Cuidado!!!
Adiante que é melhor!
Sempre gostei de ser imaginativo, ou do contra, depende do ponto de vista... Por isso acabo sempre a fazer as coisas ao contrário do “toda-a-gente-faz-assim”...
Vivíamos em Luanda mas fomos casar àquela igrejinha simpática de Viana. O copo de água foi também em Viana, na sede de uma colectividade local, onde acharam um piadão à minha ideia e ficaram a ganhar uns trocos com o negócio...
Uns dias antes, pergunta a futura sogra, cheia de curiosidade, ou talvez por sugestão da Gabriela a quem eu não tinha dito nada, pois queria que fosse surpresa: “Então e onde estão a pensar ir?”
- Bem – respondo – era para ser surpresa mas é melhor contar já. Assim sabem por onde andamos e não estranham a falta de notícias.
Vai ser assim: Saímos de Viana e vamos passar a noite no Dondo. Tem lá uma pousada muito boa junto ao rio Quanza. A paisagem é de sonho e também vamos visitar a barragem de Cambambe.
Tentativa de objecção da futura sogra (estava a começar cedo...) – Mas, Armando, tanto quanto sei o normal é o casal passar a noite em Luanda e seguir depois viagem no dia seguinte... E outra coisa. De Viana ao Dondo não é muito longe?
E eu, cheio de paciência, lá vou explicando: Olhe, sempre gostei de fazer as coisas ao meu jeito e não me apetece nada ficar aqui num hotel. De Luanda estamos fartos... Vamos ter um dia cansativo e ambos gostamos de passear. A viagem até vai ser boa para conversar, rir e descontrair. A distância não importa nada. Não se preocupe que vai correr tudo bem.
Nova pergunta, parecendo resignada: E depois? Para onde vão?
Bem, depois seguimos calmamente até Nova Lisboa (Huambo) onde passamos uns dias. Há por ali muito que ver. Mas o nosso destino é Sá da Bandeira (Lubango) e aí ficaremos uma semana ou mais porque os arredores são muitos e a Pousada da Senhora do Monte é confortável. Ah! Também passamos um dia em Moçâmedes (Namibe) para ver o deserto e ir à praia.
- Ai Jesus, tantos Quilómetros... – suspira a ainda não sogra, sem se atrever a mais contestações...
Depois, voltamos a Sá da Bandeira, vamos pelo Cubal até Benguela, Lobito e Novo Redondo (Sumbe). Fazemos aí dois dias de praia e seguimos para a Gabela, Quibala e Dondo. Está o círculo fechado e só falta voltar a Luanda. Gabriela: O que achas?
A Gabriela, olhando para a mãe pelo canto do olho, penso que ainda com algum receio dos comentários, sorria e lá foi dizendo um sauve “acho muito bem...”
E foi! Quinze dias de passeios. Conhecer gente simpática. Ainda hoje não sei como é que essas coisas se vêem... Mas penso que toda a gente percebia que éramos recém-casados. O que é certo é que éramos tratados com uma atenção e uma ternura que fica gravada para sempre. Várias vezes a Gabriela sugeriu voltar a dar a mesma volta... Foi pena, porque isso nunca mais se proporcionou...
Já contei aí para trás alguns porquês de me ter apaixonado pela Tundavala. E notem que o nome “Tundavala” representa, para mim, toda aquela região!
Com aquela viagem, a Gabriela também ficou apaixonada por tudo aquilo que viu e pelas pessoas que conheceu.
Imaginem então os serões que passámos depois com a família dela, principalmente os 4 irmãos mais pequenos que, de roda dela, pediam: Oh Belita, conta lá outra vez a descida da serra para o deserto! Conta lá!!!
E ela, suspirando e olhando para mim, começava:
Sabem? Estava a chover muito! Tanto que as ruas mal se viam. E o Armando perguntou: Já que não dá para passear em Sá da Bandeira, vamos até Moçamedes? Com esta chuva! És doido! – Sou, só um bocadinho...Mas é que, saindo daqui e começando a descer a serra, pára logo de chover! – e os pequenos: Oh Armando como é que sabias isso? – e eu, fazendo um ar de “feiticeiro-que-tudo-sabe...”: Então vocês não ouviram já dizer que naquele deserto só chove de longe em longe?
Eles, inocentes, acreditavam... E a Gabriela continuava.
Pois é, passados uns quilómetros, já chovia muito menos. Aí, andando a pé pela estrada, ia um casal. O Armando parou o carro e foi falar com eles. Confesso que fiquei um pouco receosa... Deixei-me ficar à janela do carro.
Ele trazia um arco e uma sacola com flechas. Ela tinha o cabelo todo entrançado e as tranças cheias de missangas nas pontas. Também tinha muitos colares à volta do pescoço e à volta do tronco. Mas não tinha nada a tapar o peito!
Aí, haviam sempre um dos miúdos que interrompia: Oh Bélita, ela tinha mesmo as maminhas de fora? Gargalhada geral!
E ela lá explicava: De fora, não. Isso só se diz se estiverem fora da roupa... Mas como ela não tinha roupa... Mais burburinho: Não tinha roupa? Estava nua??? Nova gargalhada geral!
Não, não estava nua, mas vestia só uma tanga que me pareceu de pele, pelo menos a cor dava essa ideia. E junto aos pés também tinha mais colares de missangas. E era muito bonita, aliás eram os dois muito bonitos e muito elegantes. Nunca deixaram de sorrir enquanto o Armando falou com eles. Com alguma dificuldade lá percebemos que viviam ali perto. O Armando ainda se ofereceu para os levar. Eles agradeceram e disseram “Onde nós mora, carro não passa! Carro não passa mesmo!”
E aqui para nós que ninguém nos ouve, ainda bem que não aceitaram! – Porquê mana, porquê? – Perguntava um, mais ansioso. É que, primeiro, estavam descalços e cheios de lama, pois deviam vir de longe e, debaixo de chuva, imaginem. Depois, sentia-se um cheiro estranho, enjoativo, que não sabia de onde vinha. Quando o Armando arrancou com o carro e falei disso é que ele explicou: Primeiro, é o cheiro natural das pessoas, depois as peles, para mais molhadas da chuva e, principalmente os produtos que elas usam para fazer aqueles penteados tão bonitos. Há quem diga que usam banha de cobra e, na falta desta, usam banha de cabra... Daí estes cheiros que, para nós, são um bocado fortes, digamos assim...
A Cristina, a mais pequena, muito loura e que sempre foi vaidosa: Oh Bélita, fazes um penteado desses a mim? Fazes? Com muitas missangas e com a banha da coba e tudo, tá bém?
Mais gargalhadas! Vá lá, já chega! Toca a deitar – era a irmã mais velha a impor a sua autoridade...
E o coro: Mas ainda não chegámos ao deserto!!!
Amanhã! Amanhã chegam ao deserto. Agora, vá! Xixi, cama!!!
É... eu também vou obedecer... Xixi, cama, Armando!
(continua)